Foto: Marcelo Casagrande/Agência RBS
Entrevistamos os pais Ricardo Dini e Cassiana Borilli Dini que participaram do projeto Papai e Mamãe contam um, dois, três contos, histórias, poesias... O projeto convida diferentes configurações familiares para compartilhar histórias com filhos de outros casais e acontece na biblioteca do Instituto de Leitura Quindim (ILQ), em Caxias do Sul – RS.
Ricardo e Cassiana são pais do Yohan, de 05 anos, associado número 02 e assíduo leitor da biblioteca. Confira abaixo como foi esse bate-papo:
ILQ:
Desde que idade vocês leem para o Yohan?
Pai:
Quando a gente ficou sabendo que a Cássia estava grávida começamos a ler e colocar música pra ele também. Eu toco instrumentos, então ele foi estimulado desde a gravidez.
ILQ:
Que tipo de reação que ele tinha?
Mãe:
No início, dava para perceber que ele ficava mais tranquilo por ouvir a nossa voz. Depois, a gente deu alguns livros sensoriais, para que ele pudesse ir sentindo um pouco da história. Fomos aumentando cada vez mais o nível de interação ou de estímulos, dependendo da história, e ele foi respondendo cada vez mais. Acho que essa leitura sempre constante desenvolveu um senso de interpretação das situações. Nos livros, ele capta facilmente o que as histórias estão querendo transmitir.
Pai:
Uma coisa que chama atenção é a memória. Alguns livros que a gente leu uma vez para ele, passados dois ou três dias, quando íamos visitar o avô ou a avó ele pegava o livro e contava a história inteira, mesmo sem saber ler. Ele memorizou a narrativa e era capaz de contar a história do início ao fim, com uma só leitura.
Alguns livros que a gente leu uma vez para ele, passados dois ou três dias, quando íamos visitar o avô ou a avó ele pegava o livro e contava a história inteira, mesmo sem saber ler. Ricardo Dini
ILQ:
Vocês conseguem identificar o que chama a atenção do Yohan quando ele pede para repetir uma história?
Pai:
O que mais desperta a atenção dele agora são os medos. Quando ele descobriu o Instituto Quindim, a primeira leva de livros foi inteira sobre monstros e coisas assustadoras. Mas ele dorme tranquilo, dorme sozinho e no escuro. Claro que ele tem seus medos, e acho que as histórias de monstros trazem isso à tona e ele fica muito curioso e interessado.
Mãe:
O bom é que ele não foge disso, ele tenta saber mais sobre, justamente para tornar algo tão abstrato em mais material.
ILQ:
Em algum momento dessas leituras o Yohan tocou em temáticas que vocês não sabiam como abordar?
Pai:
Sim. O vocabulário foi uma coisa que a gente desenvolveu desde o início. Falar tudo ao invés de ficar traduzindo para uma linguagem mais infantil. Líamos como era com termos complexos e frases bem estruturadas. Ele foi absorvendo tudo. Recentemente, ele começou a perguntar, por exemplo “Pai, o que é ser exacerbado?” (risos). Esses dias ele me perguntou “o que é honra?”. É um exercício pra gente. Como vou explicar o que é honra pra ele? E aí a gente faz uma explicação bem complexa mesmo, para que ele tente entender.
Mãe:
A gente já leu várias vezes O Livro Inclinado (Peter Newell). Teve uma vez que levou pra casa e lia todos os dias, às vezes duas vezes por dia. A gente percebe que, a cada vez que ele lê, surge uma nova temática, perguntas diferentes da mesma história. Não só dúvidas no campo de palavras específicas, mas também de sentimentos, como “Mas por que que naquele momento o personagem estava vendo aquilo?” Por exemplo, gostamos muito do livro Todos viram o gato (Brendan Wenzel), justamente por que ele possibilita várias interpretações. Traz a ideia de que cada indivíduo, cada um dos bichinhos, que viram o gato, foi de forma diferente. Sendo assim, em todas as questões a gente pode ter perspectivas diferentes com base em quem está observando.
Pai:
Tem uma coisa muito legal que, antes do Quindim, a gente teve duas coleções que foram bem marcantes na trajetória de leitura dele. A primeira foi dos Filosofinhos. Tem uma cena bem emblemática: uma professora flagrou ele na escola, dentro de uma cabaninha, contando alguma coisa pro Augusto, amigo dele. Eles estavam os dois dentro da cabaninha e a professora ouviu e começou a filmar. O Yohan estava contando a história de Sócrates para o Augusto, com três anos de idade. Leu todo o livro, do início ao fim, para o amigo.
Mãe: Nas partes que ele não lembrava, dizia “Essa eu não sei” (risos). Pai:
O vídeo termina com ele falando “Só sei que nada sei”. E isso viralizou na internet, foi muito legal. Foi impressionante, pois ele memorizou a história e contou pro coleguinha. Nessa mesma coleção, tinha um livro de Marx. Depois dessa coleção a gente foi para outro momento que foi “O que não cabe no meu mundo”. Não cabe no meu mundo a arrogância, não cabe no meu mundo a desigualdade. E quando a gente estava lendo, depois de alguns meses, essa da desigualdade, no meio da história ele falou “Ah, é igual Marx!”. Ele conseguiu fazer a associação das duas coleções, dos conceitos que ele absorveu da historinha do Marx com a historinha do “O que não cabe no meu mundo é a desigualdade.” Ele fez essa associação. Aí eu chorei, fiquei emocionado. Pensei: “Isso é incrível! Com apenas 3 anos de idade ele já consegue fazer essas associações”.
Fonte: Editoras
ILQ:
Existe algum tema que vocês consideram tabu?
Mãe: A escola em que ele vai, apresentou um livro que lemos em casa pra ele que aborda a questão de igualdade de gênero. Claro, tem algumas partes do livro pras quais ele ainda é muito pequeno, pois trata, por exemplo, da sexualidade direta. Mas as outras partes que falam sobre como os gêneros devem ser tratados de forma igualitária, e essa questão de que, poxa, ele é um menino e a gente quer entregar um menino pra sociedade que seja respeitoso, que seja íntegro e que trate as pessoas com respeito.
Pai:
Já lemos livros para ele que tratam sobre a morte, incluindo contos bíblicos. No tema da morte, já contamos algumas histórias para ele, ele está mais habituado ao assunto. De violência, a gente cuida também algumas coisas pra não falar, coisas sobre sexualidade a gente evita de falar ainda.
Mãe:
Sexualidade explícita. Ele já está numa fase de autodescoberta e a escola também desenvolve um trabalho bom com as crianças. Tentamos deixar isso num campo de naturalidade, sem dar muita ênfase ou pressionar. Mas por exemplo, se você perguntar pra ele onde ele guarda os bebês dele, ele sabe te dizer (risos).
Pai:
Ele perguntou no banho “Porque eu tenho essas bolinhas aqui?” e eu respondi: “É aí que vão ficar guardados os seus filhos, tem que cuidar bem”. Aí ele chegou no restaurante e falou pra primeira pessoa: “Quer ver os meus filhos?” e mostrou o pênis (risos).
Mãe:
Mas ele sabe que um dia dali vai ir pra barriga de uma menina que e de lá sai o bebê.
ILQ:
O que vocês ganham contando histórias para Yohan?
Mãe:
Eu amo porque é um momento especial, de afeto com ele. Ele deita no meu colo, dá beijinho na bochecha. Ele gosta desse contato físico na hora da leitura. Então, pra mim, é um momento bem emocional e afetivo e esse é o maior ganho. Talvez, a longo prazo, a gente não lembre das histórias ou ilustrações, mas desse momento nós lembraremos. Além disso, a literatura é uma porta de entrada para mundos muito fantásticos e foi algo que eu não tive na minha infância. Eu me introduzi na literatura sozinha, meus pais não liam pra mim.
Pai:
Para mim ajuda muito na concentração, em ficar focado em uma só coisa, já que sou bem disperso. Outra coisa é que enquanto eu dou amor, eu também recebo amor, depois de ler ele me abraça assim, com afeto, porque ele se sentiu amado, e pra mim isso é muito bom, porque eu desenvolvo uma relação de confiança com ele. Se eu terceirizasse isso pra alguém, eu jamais desenvolveria essa relação com ele.
Eu amo porque é um momento especial, de afeto com ele. Ele deita no meu colo, dá beijinho na bochecha. Ele gosta desse contato físico na hora da leitura. Então, pra mim, é um momento bem emocional e afetivo e esse é o maior ganho. Cassiana Dini
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